Comprar um imóvel é, quase sempre, a realização de um sonho. Porém, em muitos casos, a iniciativa pode se tornar um pesadelo, principalmente quando o comprador de imóvel na planta desiste do negócio antes da entrega das chaves e tenta recuperar o valor já pago. Quase sempre, a polêmica vai parar nos órgãos de defesa do consumidor ou nos tribunais, já que não existe lei específica tratando do chamado “distrato”.
Para tentar pôr fim à polêmica e regulamentar o assunto, a Câmara analisa o Projeto de Lei 1.220/15, do deputado Celso Russomanno (PRB-SP), que estabelece que a construtora tem direito de ficar com 10% do valor pago pelo bem a título de taxa de corretagem e terá 30 dias para devolver, com juros e correção, o restante do valor pago pelo comprador.
A empresa, no entanto, perderá esse direito se a rescisão for motivada por fato que poderia ter sido evitado por ela. Já no caso de inadimplência, a construtora terá o direito de descontar os valores devidos do montante a ser devolvido após o distrato. O texto dá ainda ao consumidor o direito de desistir do negócio a qualquer tempo, inclusive se já estiver morando no imóvel. Nesse caso, a incorporadora poderá reter eventuais prejuízos existentes durante o usufruto do bem.
A jurisprudência atual determina que a empresa é proibida de reter todos os pagamentos já feitos pelo comprador ou devolver valores irrisórios.
Outro lado. A aprovação do projeto é apoiada pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG). “O projeto é bom. É preciso haver uma pacificação, já que a rescisão do contrato é prejudicial para todos os lados, construtoras e compradores. Não existe nada pior do que o distrato”, diz o vice-presidente da entidade, Geraldo Jardim Linhares Júnior.
No entanto, o dirigente faz uma ressalva quanto ao montante que poderá ser retido pela empresa. “A grande discussão hoje diz respeito ao percentual de 10%. Além dos custos de corretagem, de no máximo 6%, as construtoras têm uma série de outras despesas, de marketing, administrativas etc. A princípio, o percentual de 10% é pouco, mas isso está sendo discutido e, com certeza, vamos chegar a um consenso”, acredita Linhares Júnior.
“Nosso grande objetivo é evitar a judicialização, que tem abarrotado os tribunais do país. Nesse sentido, o projeto é benéfico e importante, uma vez que pacifica o assunto”, ressalta o dirigente da entidade.
Procurados pela reportagem de O TEMPO, diversos órgãos e entidades de defesa do consumidor não disponibilizaram, até o fechamento desta edição, fontes para falar sobre o assunto, ou preferiram não comentar, uma vez que se trata de projeto em tramitação.
Compradores levam anos para fechar um acordo mais favorável
Caso a nova lei já estivesse em vigor, o empresário Danilo Braga Júnior, 44, teria evitado muitos aborrecimentos depois de comprar um imóvel em 2014. Ele conta que, após pagar 20 parcelas, percebeu que, devido aos reajustes na prestação, ao fim dos pagamentos o imóvel valeria menos do que ele teria pago.
“Tentei trocar por outro de menor valor, mas a construtora não aceitou. Então, parti para a rescisão e me foi proposto inicialmente a devolução, em 28 parcelas, de cerca de 70% do que havia sido pago, após a venda da unidade”, afirma Braga Júnior.
Esgotadas as tentativas de negociação, o empresário recorreu ao Procon Assembleia. “Na audiência de conciliação, no início deste mês, me foi prometido que eu receberia 82% do valor pago, em 20 parcelas”, diz ele.
Apesar de questionar os 10% de retenção previstos no projeto, o empresário apoia a aprovação da proposta. “O percentual é bastante favorável às construtoras. Mesmo assim, é uma boa iniciativa”, afirma.
Problema parecido enfrentou a confeccionista Maria Helena Palhares de Carvalho, 56, que comprou uma sala, também em 2014, por cerca de R$ 300 mil. Segundo ela, as prestações foram pagas até o fim de 2016, quando a crise econômica se agravou, e as parcelas deixaram de ser pagas.
“Entrei com pedido de distrato, mas a construtora ficou me enrolando, até janeiro deste ano, quando fui ao Procon. No fim, perdi R$ 34 mil dos quase R$ 110 mil pagos”, diz ela, que vai receber de volta quase R$ 74 mil, em quatro parcelas.
“Com certeza, se o projeto for aprovado, será uma ferramenta a mais na defesa do consumidor. Caso eu não tivesse fechado o acordo, teria que entrar na Justiça e esperar, pelo menos, cinco anos para receber o dinheiro de volta, com um desconto de 10%, segundo me informaram”, conforma-se Maria Helena.
STJ manda construtora devolver 90%
Recentemente, um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisões de outras instâncias que garantiram a devolução ao comprador de 90% do valor pago por um apartamento em razão do distrato. Em abril de 2014, quatro meses após a data prometida para entrega do imóvel e sem qualquer previsão para o término da obra, o comprador decidiu rescindir o contrato. O total pago somava R$ 64.196,99. E, segundo o contrato, a rescisão por desistência do comprador representaria a perda de 40% do valor pago. Inconformado, o comprador entrou na Justiça alegando a abusividade desse percentual e requereu a retenção de no máximo 10%.
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