Com a promessa de salvar os fiéis da “besta” e do apocalipse, a seita Jesus, a Verdade que Marca oferece proteção para todas as pessoas que vivam dentro da comunidade religiosa. Em troca, elas devem trabalhar sem receber salário, muitas vezes, com permuta por moradia e alimentação. Para a Polícia Federal (PF) e para o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que já investigam a seita desde 2011, ao invés de salvação, trata-se de trabalho análogo à escravidão. Na terça-feira (6), pelo menos 13 pessoas ligadas à organização foram presas, sendo oito em Minas Gerais e cinco na Bahia e em São Paulo, na operação Canaã: a colheita final.
Essa é uma terceira fase de uma investigação da PF e do MTE, que inclusive já rendeu prisões de líderes religiosos em 2015. As acusações são de tráfico de pessoas, estelionato, organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro em Minas Gerais, Bahia e São Paulo. A prática é recorrente e, em 2005, a presença da seita em Minas foi denunciada por reportagens do jornal O TEMPO.
O Sul de Minas foi foco central dessa fase. Em Poços de Caldas, um restaurante foi interditado pela PF. A gerente, apontada como líder da seita na cidade, foi presa no local. Além dela, foram detidas outras três pessoas em São Vicente de Minas, duas em Minduri e duas em Pouso Alegre, onde dois restaurantes comandados por líderes da seita também foram interditados. A suspeita é a de que pessoas eram induzidas a trabalharem de graça em lavouras e em estabelecimentos comerciais.
Área urbana. Além do Sul do Estado, a operação também aconteceu em Andrelândia, na Zona da Mata; em Madre de Deus, no Campo das Vertentes; e em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. No total, 17 estabelecimentos comerciais foram fechados.
A reportagem acompanhou a interdição de dois deles, em Contagem: uma pizzaria e uma pastelaria, ambos no bairro Petrolândia. Vários trabalhadores moravam em casas comunitárias, supostamente ligadas à seita Jesus, a Verdade que Marca, onde também houve uma fiscalização.
“Estivemos em duas casas comunitárias, uma com seis moradores e outra com 12. As condições não eram ruins, mas, quando fizemos perguntas sobre os contratos de trabalho e sobre a forma como foram aliciados, como foram parar naquelas casas, como pagavam as despesas e qual era a relação deles com a organização religiosa, eles apresentaram muita resistência. Parecia que tinham recebido muita instrução para que as perguntas não fossem respondidas”, explica a auditora fiscal do trabalho Dayane Alves Pereira. Ela esclarece que, em casos como esses, a condição análoga à escravidão está relacionada ao descumprimento dos direitos trabalhistas, como trabalho sem remuneração.
Os moradores não quiseram dar entrevista. Um deles, que parecia uma espécie de gerente e, inclusive, abriu os estabelecimentos para os fiscais e recebeu as notificações, disse que todos viviam e trabalhavam ali por vontade própria. A reportagem deixou o contato para que fosse repassado aos proprietários do imóveis e estabelecimentos. Mas, até o fechamento desta edição, ninguém havia ligado. Nenhum representante da seita foi localizado.
Esquema
Modus operandi. Dirigentes da seita religiosa teriam aliciado seguidores em São Paulo, convencendo-os a doarem seus bens para associações controladas por eles.
Ocupação em troca de moradia
Segundo a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Polícia Federal, há indícios de que o proprietário das casas comunitárias que abriga trabalhadores em Contagem é o mesmo dono da pizzaria e pastelaria interditadas na terça-feira, no bairro Petrolândia. A investigação ainda está em curso e o dono terá alguns dias para apresentar a documentação. Entretanto, nos fundos de uma das casas comunitárias havia veículos registrados em nome do mesmo dono dos estabelecimentos.
A investigação vai averiguar possível abatimento do valor do aluguel pago pelos trabalhadores no lugar de parte do salário, por exemplo.
“A investigação começou em 2011 e a caracterização de trabalho análogo à escravidão já aconteceu em fase anterior. Hoje, o que a gente está verificando é a persistência dessa situação, de uma forma de operar dos líderes dessa organização, que envolve exploração dos trabalhadores, sem a devida contrapartida com direitos trabalhistas previstos na legislação”, destaca a auditora fiscal Dayane Alves Pereira. – BRASIL EM FOLHAS COM AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS – I3D 51164